Sempre tive um pé atrás com medidas populistas que envolvem questões de ativismo disfarçadas de ações positivas, vivemos tempos estranhos e qualquer palavra vira palavrão quando identificamos essas medidas. Mas tentarei ser conciso, pois a politica deve ser fiscalizada por quem não tem medo de lançar um olhar crítico sobre ela – pelo bem da saúde da democracia.
O projeto de lei municipal 61/17 (já apelidado de bolsa paulada) trouxe à discussão a possibilidade de um auxilio de R$500,00 mensais para mulheres que comprovarem estar em situação de risco social/pessoal, com vivência de violência doméstica. Cumpre ressaltar que um projeto muito parecido foi apresentado esse ano na vizinha Hortolândia, pelo Vereador Eduardo Lippaus (PT), por aqui, ele partiu do Prefeito.
Quero acreditar que a edição do projeto foi feita sob a leitura da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), pois o artigo 1º do projeto reproduz integralmente o artigo 7º da Lei Maria da Penha, entre outras reproduções.
Sem medo de exagerar, a Lei Maria da Penha é um dos melhores dispositivos já elaborados no período pós Constituição Federal de 88, um marco sem precedentes na proteção contra a violência doméstica em um país ainda muito machista. Eu mesmo cresci e vivi boa parte da vida sob a vigência de um Código Civil que permitia, como motivo para a anulação do casamento, “o defloramento da mulher, ignorado pelo marido”, isso mudou a pouco menos de 15 anos, uma evolução bem-vinda em nossa sociedade.
Mas a lei Maria da Penha faz mais ainda, ela protege a segurança jurídica, evitando parcialidade e entregando justiça na medida que deve ser entregue, pois é uma lei de natureza cautelar e protetiva. E aqui começam algumas críticas sobre o projeto de lei municipal.
A lei Maria da Penha (art. 9º) é clara que quem define se a mulher se encontra em situação de violência doméstica é o Juiz competente, inclusive é ele quem determina, por prazo certo, a permanência da mulher em programas assistenciais. O projeto de lei municipal, no seu artigo 6º, usurpa competência do judiciário ao entrega essa avaliação ao CREAS, que ao meu ver, não pode suplantar a definição da justiça. Andou muito mal o Executivo nesse sentido.
Também, a lei Maria da Penha, tenta ao máximo evitar a “mercantilização” da violência doméstica, e faz isso de duas formas: No artigo 17, ela veda a aplicação de penas isoladas ao agressor de dar cestas básicas ou dar prestações pecuniárias, informando ao operador da lei que o agressor não pode ser beneficiado pelo seu bolso; e por outro lado, o artigo 22 diz que, nos casos de violência doméstica, o agressor deve prestar alimentos para a mulher, evitando assim de se escusar da manutenção da sua família por causa do seu afastamento do lar.
O projeto de lei municipal vai contra esse raciocínio ao ofertar auxilio em dinheiro, aliviando assim o encardo do agressor. O raciocínio é lógico: Se a mulher é dependente é por que o agressor tem condições para mantê-la.
Outro problema é a afirmação, pelo município, de forma adiantada e pecuniária, da existência de violência doméstica. O marco que define se houve ou não a violência é a sentença irrecorrível e não um juízo antecipado de qualquer agente municipal. (por isso as medidas cautelares)
Em um caso hipotético, imaginemos que a mulher vai ao CREAS e recebe o auxílio por 18 meses, mas ao final, a sentença absolve o suposto agressor! Ao oferecer auxilio em dinheiro o poder municipal esta assumindo o risco de pagar um valor de até R$9.000,00 para alguém que na realidade não merecia, e pior, fazendo o erário assumir uma culpa antecipada por uma condenação que pode não existir. É temerário, pela insegurança jurídica; é irresponsável, com o dinheiro do contribuinte.
A própria lei Maria da Penha aponta em seu artigo 35 as medidas que a União, Estados e Municípios devem tomar para combater a violência doméstica, entre elas: Centros de Atendimento, Casas-Abrigos, Programas e Campanhas, Educação e Reabilitação aos agressores; mas em nenhuma dessas medidas é previsto auxílio em dinheiro.
A Politica Nacional de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher deve buscar a implantação dessas medidas, de caráter continuado, para garantir um atendimento integral, humanizado e de qualidade à essas mulheres, buscando reduzir os índices de violência, essa é a meta. A obrigação da manutenção da família é do agressor, por determinação legal, e não ganhar um prêmio pela agressão – se ela existir.
O projeto de lei poderia ser mais rico nesse sentido, poderia ser uma oportunidade de reforçar, de fato, o combate à violência doméstica e a educação dos homens sobre isso; mas foi pobre ao reduzir a questão em entregar meros R$500,00 mensais, que entendo, é colocar preço na agressão. No fim, tudo se resumiu a dinheiro.
De fato, o projeto é uma paulada na Maria da Penha. É mais uma forma populista de dizer que o governo municipal está atento aos problemas, mas pagar uma mesada dá muito menos trabalho. É a velha política...