Conforme destacamos em nossa obra publicada em 2016 sobre o abastecimento de água na comunidade de Cordeirópolis desde a sua fundação, um dos problemas que sempre preocupou as administrações, seja antes ou depois da emancipação, foi o suprimento insuficiente de água à população, seja por problemas naturais, como a estiagem, ou estruturais, como o crescimento não-ordenado.
A Represa do Cascalho, principal manancial da cidade, foi construída na década de 1910 com o objetivo de abastecer a cidade de Limeira, à qual Cordeiro e Cascalho pertenciam. Com a seca da década de 1960, que deixou a situação em níveis calamitosos, coube inicialmente a Limeira pensar em uma alternativa para se dissociar do problema. Com isso, foi construída a primeira estação de tratamento de água daquela cidade.
Segundo o engenheiro Benoit Almeida Victoretti, que foi superintendente do Fomento Estadual de Saneamento Básico (FESB), em um artigo publicado na Revista do DAE (Departamento de Águas e Esgotos) da Secretaria Estadual de Serviços e Obras do Governo do Estado de São Paulo, foi contratado em 1968 pelo Município de Limeira um financiamento de US$ 306,723.00 (trezentos e seis mil e setecentos e vinte e três dólares) para melhoria de suas instalações sanitárias, que deveriam atender a uma população estimada de 270 mil habitantes.
Do lado de Cordeirópolis, as medidas foram tomadas no início do ano de 1969, com a edição do Decreto nº 36, de 13 de janeiro de 1969, alterado pelo Decreto nº 97, de 20 de janeiro, foi declarada de utilidade pública uma área de 18.497,50 m2, de propriedade do Sr. Antonio Botion, para a construção da ETA (Estação de Tratamento de Água) (veja nosso livro à p. 27)
O próximo passo para se conseguir verba estadual para a construção da estação foi a edição da Lei nº 635, de 14 de janeiro de 1969, que abria crédito especial para despesas com um “Plano de Viabilidade referente à construção de uma estação de filtragem e tratamento de água”, conforme era chamada neste período.
Esta ação atendia aos determinantes do Fundo Estadual de Saneamento Básico (FESB), que foi criado pela Lei Estadual nº 10.107, de 8 de maio de 1968, e que tinha por objetivo “promover ou colaborar no desenvolvimento de programas de abastecimento de água e sistemas de esgotos no Estado de São Paulo”, através de “levantamentos, controles e ensaios de laboratório, pesquisas, estudos e preparação de pessoal técnico especializado”, além de “empréstimos para execução de obras e serviços relacionados com a melhoria das condições sanitárias de cidades e regiões”.
Nos 530 municípios do interior, naquele período, moravam 11,6 milhões de pessoas, sendo que destas, somente 7,1 milhões tinham acesso a rede de água e 4,1 milhões à rede de esgotos; 50% tinham população de até 3 mil habitantes, 29% tinham de 3.001 a 10.000 habitantes – Cordeirópolis incluída, 17% tinham até 50 mil e 4% mais de 50 mil moradores.
Enquanto o pedido de Cordeirópolis tramitava na administração estadual, foi determinada a criação de uma autarquia denominada “Fomento Estadual de Saneamento Básico”, com a mesma sigla – FESB – e que tinha por objetivo executar e administrar obras e serviços relativos ao abastecimento de água e sistema de esgotos nas áreas não servidas pelo Departamento de Águas e Esgotos (DAE), Companhia de Saneamento da Baixada Santista (SBS) e Companhia Metropolitana de Água de São Paulo (COMASP), bem como conceder empréstimos para a execução de obras e serviços, nos moldes da legislação anterior.
Estes empréstimos seriam provenientes de recursos do Fundo Estadual de Saneamento Básico, condicionados à “fixação de taxas ou tarifas adequadas à justa retribuição dos serviços de saneamento básico, de modo a garantir recursos a serem aplicados de forma rotativa e crescente, de acordo com as necessidades decorrentes do crescimento populacional”. Conforme apontamos em nosso livro de 2016 sobre o SAAE, Cordeirópolis já cobrava taxa de água, em valor fixo e variável, desde o código tributário de 1951, que não era suficiente para gerar arrecadação que permitisse a construção de estruturas por conta da Prefeitura.
Neste momento, de acordo com reportagem de 4 de fevereiro de 1970, a situação do abastecimento público de água em Cordeirópolis era preocupante. Segundo o correspondente do jornal “O Estado de São Paulo”, “as águas de Cordeirópolis estavam imprestáveis para o consumo, cheias de detritos e produtos químicos e orgânicos” e a água da represa de Cascalho estaria “quase parda”, pois suas margens estavam sendo utilizadas por particulares com pastos e terras de plantio.
Neste ano ainda, pela Lei nº 702, de 5 de novembro, foi autorizado um empréstimo de 435 mil cruzeiros, destinado à execução do serviço de abastecimento de água, aquisição de hidrômetros e custeio de estudos e projetos na sede do Município, a ser realizada de acordo com os estudos e projetos elaborados sob a orientação técnica do Fomento Estadual de Saneamento Básico (FESB), da Secretaria dos Serviços e Obras Públicas do Estado, acrescido de mais de 150 mil cruzeiros, para custeio da “taxa remuneratória de serviços” pela CEESP (Caixa Econômica do Estado de São Paulo, banco que foi posteriormente incorporado pelo Banco do Brasil.
O empréstimo teria prazo de resgate em dez anos, acrescido de taxa remuneratória de serviços e eventuais correções, em prestações mensais de juros e amortização pela Tabela Price, vencendo-se a primeira prestação no último dia do mês seguinte ao da entrega da última parcela do financiamento. Os juros seriam de 12% ao ano, com correção monetária trimestral, além de taxa remuneratória de serviços de 0,7% e multa de 10% em caso de execução judicial, dando-se como garantia as rendas provenientes das taxas, tarifas ou contribuições dos serviços de abastecimento de água e demais rendas municipais, de acordo com a Constituição Federal.
Para composição da garantia, estava autorizada a criação de “acréscimos de taxas mensais” de execução do serviço de abastecimento de água e tarifas, que seriam arrecadadas através de avisos de débito aos contribuintes, a serem pagos na agência local da Caixa, liberando-se o que exceder aos encargos financeiros contratuais mensais.
O mais importante era que a entrega das parcelas deste empréstimo estava condicionada à criação e efetivo funcionamento do Serviço Autônomo de Água e Esgoto, conforme exigências mínimas propostas pelo FESB ou pela Caixa Econômica Estadual.
A partir do funcionamento do SAAE, o sistema de cobrança da água deveria ser feito através de tarifas mensais, para atender ao “custeio e manutenção do mesmo”, conforme estudo econômico-financeiro feito pela Caixa ou pelo FESB. A Prefeitura ficaria autorizada a contratar a execução das obras, observadas as condições estipuladas em escritura, e elas seriam executadas sob a direção técnica e fiscalização da autarquia, obedecendo a especificações do orçamento.
Atendendo a esta determinação, a prefeitura criou o SAAE através da Lei nº 744, de 29 de junho de 1971, que se encontra em vigor até hoje, com algumas modificações, cujas competências foram detalhadas em nosso livro (TAMIAZO, 2016, p. 31-36).
Segundo artigo de Octavio Barotti, jornalista credenciado no FESB e editor do “Boletim Informativo” da autarquia, publicado na Revista D.A.E. nº 456, “no primeiro quadrimestre de 1971 (...) 16 contratos foram efetuados para elaboração de estudos e projetos” que iriam beneficiar catorze municípios, dentre eles Cordeirópolis, sendo que os valores foram financiados pelo FESB à razão de 70%.
O jornal “Folha de São Paulo” deu destaque, entre os anos de 1968 e 1973, à atuação do FESB, em reportagens releases fundamentais para a recuperação dos fatos ocorridos naquele período. A primeira delas saiu em 5 de novembro de 1971, coincidentemente um ano após à edição da lei que autorizou o empréstimo, indicando que as obras da ETA de Cordeirópolis estavam sendo realizadas com “financiamentos concedidos através do Convênio FESB/BNH/BANESPA e da Caixa Econômica Estadual”.
Pelo jornal “O Estado de São Paulo” de 11 de julho de 1972, o correspondente local informava que “deveria entrar em funcionamento experimental”, em outubro deste ano a Estação de Tratamento de Água construída pelo FESB (e não pela Prefeitura), com estudos, projeto e construção da Secretaria Estadual de Serviços e Obras Públicas. Conforme apontamos acima, por beneficiar uma comunidade de 4.000 habitantes, incluída na faixa de municípios de 3 mil a 10 mil habitantes, era considerada de “pequena expressão”, na classificação do governo.
Entretanto, a “Folha de São Paulo”, de 22 do mesmo mês publicava edital para licitação, aberto pelo FESB, para “aquisição, montagem e operação de equipamentos para a ETA de Cordeirópolis”, com prazo para apresentação de propostas em 11 de agosto.
A próxima notícia apareceu no mesmo jornal, na edição de 8 de setembro, em que foram citadas as obras de “saneamento básico para nove municípios”. Naquele momento, estavam sendo executadas obras de água e esgoto nestas cidades pelo FESB, através de concorrências, que estavam beneficiando em torno de 400 mil habitantes.
Para abastecimento de água estavam sendo beneficiados municípios como Mogi das Cruzes, Coroados, Caçapava, Mauá, Porto Feliz, Ribeirão do Sul e Cordeirópolis, que contava com investimentos no valor de 68 mil cruzeiros, bem inferior ao que seria relacionado ao empréstimo.
Pelo que parece, as obras devem ter corrido bem, a ponto de se informar, na “Folha de São Paulo” de 7 de janeiro de 1973, menos de um mês antes do término do mandato do prefeito Teleforo Sanchez Félix, que “até 31 de dezembro [de 1972] o FESB tinha realizado 156 concorrências para a execução de obras e serviços de água e esgotos em municípios do interior, abrangendo materiais e equipamentos, construções civis e assentamento de adutoras e redes”.
A reportagem destaca que as licitações beneficiaram 58 cidades do Estado, sendo que na nossa região somente Leme e Cordeirópolis receberam o investimento. Com relação aos “problemas de saneamento de pequenas comunidades”, destacou-se que o FESB estava atendendo a um “verdadeiro desafio, devido aos poucos recursos financeiros de que dispõem e à escassez de recursos humanos para operar tais serviços”.
Para a solução do problema, o FESB tinha criado um projeto “modulado”, que permitiria introduzir moderna técnica de tratamento de água, de baixo custo e de operação e manutenção simplificadas, permitindo que, após sua construção “os municípios pudessem assumir o controle de tais instalações”. Neste caso, a única cidade beneficiada naquele momento era Viradouro.
Encerrado o processo, a estação de tratamento de água de Cordeirópolis foi inaugurada, até onde temos conhecimento, em 31 de janeiro de 1973, no final do mandato do prefeito Teleforo Sanchez Félix, e no início do mandato do prefeito José Alexandre Celoti, que governou até 1977.
Passados mais de 45 anos de seu funcionamento, e neste momento em que a nova ETA continua em fase de testes, apesar de já inaugurada, queremos deixar duas sugestões para serem utilizadas pelas futuras administrações de Cordeirópolis, principalmente quando a estação de tratamento da Rodovia Constante Peruchi (SP-316) esteja em pleno funcionamento:
1) oficializar denominação da ETA, a exemplo do que ocorre com a nova, com o nome do prefeito Teleforo Sanchez Félix, ou de outra pessoa que seja considerada fundamental para a concretização do empreendimento, como o presidente do FESB, o Governador do Estado à época ou ainda outra pessoa que tenha trabalhado de forma relevante para sua efetivação;
2) criar, a exemplo de outras cidades, e após estudos abalizados, um “Museu da Água” no local, com a colaboração das Secretarias Municipais de Educação e de Cultura, destinado a receber estudantes de todos os níveis de ensino e pessoas interessadas em saber como se processa o tratamento de água e os esforços que foram realizados pela administração pública e outros interessados para transformar a realidade de Cordeirópolis, de preferência no período em que se completarem os 50 anos da criação do SAAE ou da inauguração da ETA.
Lamentamos que não conseguimos acesso ao Diário do Rio Claro, jornal que nesse período publicava notícias de Cordeirópolis, para ver se conseguimos mais informações sobre o fato e que, neste momento, não tenhamos condições de realizar entrevistas com funcionários públicos ou prestadores de serviço que participaram dos trabalhos para a construção e funcionamento da primeira Estação de Tratamento de Água de Cordeirópolis. Versão reduzida deste texto também está publicado na edição do “Jornal O Cordeiro” desta semana.