Neste texto, vamos compartilhar nossas descobertas nas edições do jornal “A Província de São Paulo”, que depois tornou-se o “Estado de São Paulo”, especialmente as citações sobre Cordeiro durante o ano de 1876.
É evidente que há mais citações durante todo este período, mas por se tratar “Cordeiro” um termo de pesquisa muito amplo, temos que restringir a busca para evitar retornos irrelevantes. No caso, a busca por Cordeiro se juntou a Limeira, para que se destacassem somente referências às duas localidades e não, por exemplo, Cordeiro no Rio de Janeiro.
Inicialmente encontramos um anúncio de venda de uma área de terras, de propriedade de uma conhecida família, os “Barbosa Guimarães”, que consideramos, até que informações posteriores nos contradigam, os fundadores da Povoação de Cordeiro. No anúncio, publicado em dezembro de 1876, isto é, após a abertura ao tráfego da estação de Cordeiro, vende-se “uma chácara com plantação de cafezais, mais um casal de escravos e transmite-se um contrato de quatro famílias de colonos”.
Este anúncio mostra uma tendência que começou com a introdução do “regime de parceria” na região, através da Fazenda Ibicaba, e seguiu durante quase quarenta anos após: o uso de mão de obra livre e escrava ao mesmo tempo nas propriedades rurais.
Alguns dias antes, estava à venda outra propriedade, desta vez sem identificação, mas situada na mesma área da anterior, composta de “40 alqueires, com 40 mil pés de café, além de 12 escravos”. Parece muito pequena a quantidade de escravos para lavrar uma área de terra consideravelmente grande, mas imagina-se que, como na outra, era usada também mão de obra livre, só que esta... não podia ser comercializada!
Outra parte deste anúncio demonstra uma situação ainda mais significativa: uma fazenda de 800 alqueires (um pouco menor que a Fazenda Ibicaba nos seus áureos tempos) era comercializada com “somente” 22 escravos, parecendo muito pouco, uma vez que, conforme notícias anteriores, a própria Ibicaba tinha mais de 300 escravos e colonos...
Neste ano de 1876, no primeiro semestre, estava em discussão o prolongamento da estrada de ferro de Campinas a Rio Claro, passando por Limeira, que eram as únicas cidades estabelecidas naquele tempo no caminho. Todas as outras aglomerações urbanas desta distância foram estabelecidas após à ferrovia: Sumaré, Valinhos, Vinhedo, Nova Odessa, Americana, Cordeirópolis, Santa Gertrudes... todas elas devem sua existência à Companhia Paulista de Estradas de Ferro.
Em março, um engenheiro da Companhia Paulista defende a determinação daquele momento em colocar a estação na Ibicaba, como já visto, em função da influência e do capital investido pelo Comendador José Vergueiro na construção da estrada.
Destacamos os argumentos que os combatentes da estação de Cordeiro utilizavam para que este local não fosse escolhido para a construção do edifício ferroviário. Primeiro, o missivista que “as ações do prolongamento [entre Campinas e Rio Claro] estão encalhadas”; que apesar do investimento, “ainda custará o frete menos da metade do que os tropeiros faziam”, expressando as dúvidas e incertezas no investimento dos fazendeiros no “novo” meio de transporte.
O combate ao Ramal de Cordeiro (ou em Cordeiro) começa com esta frase:
“Se os altos poderes da Província andassem mais avisados, não teriam permitido, de forma alguma, o desprendimento do ramal da estrada do Rio Claro, que partindo dos Cordeiros, se dirige à margem do Mogy-Guassu (...)”
O objetivo do missivista é eliminar a possibilidade de construção do ramal de todas as formas: “Estávamos na esperança de não ver realizado o ramal dos Cordeiros, à vista da oposição que surgiu de Limeira e Rio Claro (...)” Sua indignação com a possibilidade de se fixar este local chega ao ponto da estupefação: “Haverá necessidade de fazerem desde já o ramal do Cordeiro?”
Em maio do mesmo ano, estava-se discutindo, dentre outros pontos, a localização do ramal, e um articulista analisa a questão de dois ângulos: a criação da “estação de contato” da linha do Rio Claro com a do Mogy Guassu” e a “estação entre a bifurcação e Araras”.
O articulista posicionou-se em relação à “conveniência e necessidade de uma estação entre Limeira e Rio Claro”, além do “contato com a nova linha do Mogy Guassu”. Descreve a carta uma localização que, infelizmente, só poderemos confirmar caso consigamos ter acesso aos mapas que supõe-se estar no escritório da Rede Ferroviária Federal, em São Paulo.
Diz o escritor que a estação estaria localizada acima do “Saltinho”, entre as estacas 668 e 680, definindo-se na Ibicaba, ou entre as estacas 820 a 830, num local enigmaticamente definido como “encruzilhada do caminho do Picadão”...
No texto, declara-se a intenção ou a decisão de mudar a estação para o lugar denominado Cordeiro, ou colocar a estação no próprio local da bifurcação, de acordo com exemplos de outras ferrovias em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Em outro parágrafo, o autor enumera mais motivos para não colocar a estação em Cordeiro: “(...) pela impropriedade do terreno de combinação com as condições técnicas da linha (...)”; que “não há razão para que a estação ficasse em Cordeiro, onde o terreno não é horizontal nem plano e onde não se presta à construção de armazéns e outros edifícios em relação íntima com a linha”. Percebe-se que este técnico estava errado, lembrando de tudo que foi construído em torno e em função da não-desejada estação ferroviária.
Discretamente, o articulista declara que o local a ser escolhido (ou não) para a estação do ramal, ficaria no “fim do mundo”, ou seja: “a estação em Cordeiro não dispensa a despesa que vai se fazer com a casa de guarda (...)”
Em seguida, ele comenta a situação da chamada “estação de contato”, o início do ramal, que deveria ir até a bacia do Rio Mogy Guassu: “a estação de contacto tem sido sempre desindada pelos nomes de Saltinho ou Ibicaba. A companhia nunca lhe deu a denominação de Cordeiro, local que sempre foi tido como simples ponto de bifurcação.”
O articulista, além de criticar acerbamente a implantação da estação em Cordeiro, posiciona-se com menor intensidade à implantação da estação em Ibicaba, já reconhecida como influência e pressão do Comendador Vergueiro, proprietário da lendária fazenda:
“Não sendo para servir a um que se faz a estação em Ibicaba, e achando-se demonstrado o despropósito da pretendida estação em Cordeiro, deve-se supor que é para servir a um ou outro caprichoso ou especulador que assim se desenvolve tanto afã na correspondência (...)”
Por fim, há uma citação interessante, referindo-se à implantação do ramal que depois foi direcionado a Araras; no texto, o autor cita expressamente o “vale da Água Branca”, como o leito da expansão, confirmando a antiguidade e a importância da região, desde um período de quase duzentos anos.
Por fim, após a implantação das estações do trajeto estabelecido, especialmente Limeira, Cordeiro e Rio Claro (Santa Gertrudes só seria aberta mais ou menos dez anos mais tarde), os proprietários das fazendas voltaram a se digladiar, através da imprensa, tentando trazer para mais perto de sua propriedade a chamada “chave”, que, segundo pesquisas realizadas, significava um “aparelho de mudança de via”, ou ainda, um “desvio” para servir melhor certas localidades rurais.
Dentre as diversas propriedades citadas, em função de sua proximidade das estações de Limeira, Rio Claro ou Cordeiro, destacamos três nomes: o Barão de Três Rios (depois Visconde, Conde e Marquês de Três Rios), proprietário da Fazenda Santa Gertrudes. Segundo informações da propriedade,
“Falecendo a 31 de agosto de 1873 o Barão de S. João do Rio Claro sem filhos, sua viúva a Baroneza do mesmo título Dona Maria Hyppolita dos Santos Silva, ficou de posse da referida fazenda.
Casando-se ela depois em segundas núpcias com o Barão de Tres Rios, depois Visconde, Conde e Marquez do mesmo título, adquiriu esta por compra feita à 20 de fevereiro de 1880 do Coronel Silvério Rodrigues Jordão e sua mulher Dona Maria Benedicta Jordão uma parte de terras de culturas da fazenda "Morro Azul" contíguas à mesma - "Fazenda de Santa Gertrudes"- e a ella annexadas;
Mais abaixo, outra expressão confirma as dificuldades financeiras que enfrentou a família Barbosa Guimarães, o que pode ter determinado inclusive a formação da Capela de Santo Antonio dos Cordeiros:
“bem como por compra feita a 21 de agosto de 1890 de Candido da Rocha Campos (doc.) o Sitio sob a denominação de "Barreiro" contíguas à mesma fazenda que a ella foi também annexado como as terras contíguas tambem, que o mesmo Marquez arrematou em hasta publica á 28 de outubro de 1890, em execussão movida por João Baptista de Souza Freire e Benedicto de Almeida e outros contra Manoel Barbosa Guimarães (doc.).
Em seguida, informa-se a existência de uma propriedade em nome de “João Cordeiro da Silva Guerra Júnior”, o que pode indicar a origem da estação de Cordeiro ou “dos Cordeiros”, o que, infelizmente não conseguimos identificar com clareza até agora.
Por fim, cabe destacar a citação específica ao Barão de Porto Feliz que, como sabemos, era proprietário da Fazenda Cascalho (e também da Fazenda Cordeiro) entre 1869, com a morte do Barão de Cascalho (José Ferraz de Campos, seu pai) e seu falecimento, em 1879. O que aconteceu após o desaparecimento de Cândido José de Campos Ferraz, conhecido como Barão de Porto Feliz, já pudemos notar em outras oportunidades.
No momento, é o que temos a destacar, sempre lembrando que a situação só será totalmente esclarecida com a documentação específica do século XIX, que está inacessível ou com grande dificuldade de acesso.