Pesquisando mais uma vez nos acervos da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, conseguimos encontrar referências interessantes no acervo do periódico “A Immigração”.
Segundo Arthur Daltin Carrega, da UNESP/Assis (
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De acordo com texto introdutório sobre o periódico no site da Biblioteca Nacional (
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A Sociedade Central de Imigração foi fundada por imigrantes alemães: Karl Von Roseritz, jornalista e deputado pelo Rio Grande do Sul; Hermann Blumenau, fundador da cidade que leva o seu nome em Santa Catarina e Hugo Gruber, editor de um periódico em língua alemã no Rio de Janeiro. Os seus filiados se reuniam regularmente, remetendo para o governo e para os jornais cartas e petições relacionadas aos seus temas de atuação.
Segundo o professor Michael Hall, estudioso da imigração para o Brasil há mais de cinquenta anos, do qual fui aluno na faculdade, conforme seu texto (
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A meta da associação era a criação de uma classe média rural, composta de imigrantes europeus que seriam agricultores independentes e ela criticava o chamado “sistema de grande lavoura”, dizendo que as grandes propriedades eram ineficientes e atrasadas, porque eram baseadas na exploração do trabalho escravo.
Considerava os fazendeiros como “tiranos feudais”, incompetentes, incapazes ou maldispostos a aplicar “tecnologia moderna” para elevar a produtividade de suas propriedades, além de serem “socialmente irresponsáveis”.
Quando o periódico foi lançado, a diretoria da entidade tinha mudado, e era composta de “Antônio Luiz von Hoonholtz, José Luiz Cardoso de Salles, Joseph Hermann Von Tautphoeus (respectivamente os barões de Teffé, Irapuá e Tautphoeus), Henrique de Beaurepaire Rohan, Ennes de Souza, Gustavo Trinks, Hugo A. Gruber, A. de Escragnolle Taunay, André Rebouças, Fernando Schmid, João Clapp, Vicente de Souza, Ferreira de Araújo, o major Leite de Castro, o conselheiro Nicolau Moreira e os comendadores Oliveira Lisboa e Malvino Reis”.
O importante era que, segundo Michael, “a sociedade apoiava a incrementação” dos núcleos coloniais, que se caracterizavam como uma forma de pequena propriedade e cujo exemplo mais claro e próximo é o Bairro do Cascalho, anteriormente chamado “Núcleo Colonial de Cascalho”, criado pelo Governo de São Paulo como uma exceção ao regime de imigração subsidiada, que foi introduzido pela mesma lei que permitiu a sua criação.
O destaque inicial deste período é a referência à sessão da diretoria da “Sociedade de Immigração de São Paulo”, que em 23 de maio de 1885 registrou o recebimento de uma carta “do imigrante italiano Francesco Storino, que estando na estação de Cordeiros à espera de colocação, se oferece para tomar conta gratuitamente das máquinas existentes na Fábrica de Cascalho, até que o governo delibere a respeito, para não se estragarem”. Por se tratar do início da implantação do Núcleo Colonial do Cascalho, é um ponto interessante para se verificar em que situação estava o procedimento de implantação do referido estabelecimento.
A primeira referência relevante no acervo pesquisado é da edição de julho/agosto de 1885 do boletim, com o título “Exemplo aos Grandes Proprietários”. Copiando reportagem do Diário Popular de 11 de julho daquele ano, destaca a proposta do Sr. José Vergueiro, então proprietário da Fazenda Ibicaba, que fica atualmente em Cordeirópolis, de “divisão em lotes do terreno e cafezal do Puranga”.
Vale lembrar que, pelo menos na documentação disponível, este trecho das propriedades de Vergueiro não fazia parte da “descrição e avaliação da Fazenda de Ibicaba” mostrada no artigo do prof. José Sebastião Witter, publicado na Revista de História da USP em 1971 (
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De acordo com a reportagem, “o Sr. Dr. Henrique Bauer, engenheiro empregado dos estudos definitivos da via férrea Sul-paulista, projetada pelo Sr. José Vergueiro, acha-se pelo mesmo senhor, encarregado de levantar a planta e dividir em lotes o terreno e plantações acima mencionados”.
Descreve a reportagem que a fazenda teria cerca de 500 alqueires (ou 5 mil braças quadradas), e cerca de 70 mil pés de café, compondo-se de terras superiores e confinando com a estação de Cordeiro, estendendo-se ao longo da estrada de ferro paulista e com o terreno adquirido pelo governo provincial para o estabelecimento do núcleo colonial que premedita, por compra feita ao Dr. Jaguaribe”, local que se tornou o Bairro do Cascalho, emancipado em 30 de dezembro de 1893. (veja nosso artigo específico
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As terras eram atravessadas diagonalmente pelo ribeirão do Cascalho e banhado, em parte, pelo ribeirão Tatu e cada lote conteria um pequeno cafezal, mata virgem, terra para cultura de cereais e para pasto, água potável “superior” e grande parte com água suficiente para mover pequenas máquinas. Não sabemos se a iniciativa foi executada, é um ponto que ainda demanda pesquisas.
A edição de junho de 1886 do boletim destaca, dentro da discussão sobre a imigração alemã para o Brasil, que “todas as experiências ensinam que os imigrantes mais prosperam quando localizados por nacionalidades” e esta foi a “intuição” que o Governo Provincial de São Paulo teve quando fundou os núcleos de Cascalho e Canas, atualmente cidade próxima a Lorena. Como se vê, a predominância alemã no bairro foi curta, e posteriormente, até sua emancipação, serão os colonos italianos que se dirigirão e seus descendentes se fixarão, há mais de 130 anos naquele bairro.
De acordo com a edição de fevereiro de 1886, reproduzindo expediente de outubro de 1885, declarava-se naquele momento que os núcleos de Cascalho e de Canas estavam divididos e autorizados os contratos de vendas provisórias e definitivas, sendo firmados oito em Cascalho. O fato a se destacar é a adesão de Johann Meyer, morador em Cordeiros, como um dos novos sócios, certamente por influência do outro sócio preexistente, Carlos Bolle.
Por falar no núcleo, a edição de junho de 1886 d´A Immigração conta com um relatório interessante sobre a situação do local naquele momento. Segundo o autor do relatório, “O núcleo alemão de Cascalho” principia a 200 passos de Cordeiros, estação da estrada de ferro. Vale lembrar que neste momento a Capela de Santo Antonio dos Cordeiros já estava dividida e povoada, mas os moradores de Cascalho faziam contato com o mundo exterior pela estação ferroviária e só isso importava.
Continuando, é dito que “as terras são, sem exceção alguma, terras de cafré de primeira qualidade, não sujeitas a geada. O clima é um dos melhores do globo. Os colonos não carecem nem de mercados, nem de ocasião de trabalho, se precisam ganhar algum dinheiro. E não obstante isso, deu se o caso de que, desde a fundação do núcleo, as queixas não cessaram”.
As três famílias de imigrantes que foram mandadas para lá tinham que esperar quatro meses, sustentando-se neste espaço de tempo de seus próprios recursos, antes de lhes designar os lotes que podiam ocupar para principiarem os seus trabalhos. Entretanto, deram ao núcleo um diretor italiano, que nem sabia ensinar os métodos de cultura, nem conhecia o idioma alemão, nem (...) achou o que dirigir no núcleo, pois, conforme a legislação, cabia ao Inspetor de Imigração tomar as medidas necessárias.
Entretanto, este teria que dirigir o serviço num lugar que distava 150 km do núcleo e os colonos, para pagar seus lotes, tinham que viajar a S. Paulo, perdendo uma semana para receber os títulos de propriedade. Segundo o relato, depois de ter chegado ao lote que seria seu no Bairro do Cascalho, encontrou um “intruso” no local, mesmo tendo o título legal de propriedade.
O invasor não queria deixar o ocupante tomar posse do lote que era dele e o proprietário legal dirigiu-se ao diretor do Núcleo, que examinou o título e “encolheu os ombros”, dizendo que não possuía os mapas das medições e nem poderia decidir se o número do título correspondia ao lote onde se achava o intruso. Entretanto, o diretor disse que o invasor não era intruso porque “se achava no lote com consentimento dele” e por ter feito uma plantação.
Em vista disso, o colono prejudicado dirigiu-se à Sociedade de Imigração de São Paulo, a qual finalmente intercedeu em favor dele, enviando ao Presidente da Província um pedido para que fosse resolvido o conflito, que foi imediatamente aceito. Tudo isto mostra a incompetência administrativa do governo provincial e a necessidade de se apelar para o “jeitinho brasileiro” para que as coisas se resolvam, geralmente à margem da Lei.
Na edição de fevereiro de 1887, informa-se que teria chegado há alguns dias, no vapor “Bourgogne”, procedente de Gênova, a primeira leva de imigrantes introduzida pela Sociedade Promotora da Imigração para S. Paulo, conforme contrato com a presidência da Província para trazer 6 mil imigrantes. Destaca-se que os primeiros são 810 imigrantes italianos, e destes 91 seriam enviados para Araras e 47 para Cordeiros. Não sabemos se eles foram encaminhados diretamente ao Núcleo Colonial do Cascalho ou a fazendeiros que se utilizavam da estação, mas isto comprova que o “núcleo alemão” do Cascalho já estava a caminho de se tornar o “núcleo italiano”.
A Sociedade Promotora da Imigração foi criada com o objetivo de incentivar a imigração estrangeira em São Paulo em 1886 e tinha dentre seus membros nomes das principais famílias produtoras de café, como as famílias Prado, Souza Queiros e Paes de Barros. O assunto foi estudado por Maria Eliana Basile Bianco em sua dissertação de mestrado “A Sociedade Promotora de Imigração (1886-1895)”, defendida em 1982 na Universidade de São Paulo.
A edição da revista de maio de 1887 publica, sob o título “Immigração em S. Paulo” uma carta que indicava que “dos 69 lotes rurais, em que está dividida a colônia” de Cascalho, falta distribuir 29. Nos primeiros, ocupados, a plantação de cereais promete próxima e abundante colheita”.
Enquanto a colheita não ocorre, o governo de São Paulo “aproveitando-se da boa vontade dos recém-chegados, incumbiu-os de certa ordem de serviços, a módico salário”, fazendo com que os colonos tivessem duas jornadas: “entre o trabalho de que auferem recursos imediatos e a bonificação das terras que escolheram para se estabelecerem”.
Outro tipo de comportamento estava havendo entre os imigrantes, segundo a correspondência: “Alguns colonos laboriosos e experimentados, independente desse auxílio indireto” (ou seja, mais um “jeitinho brasileiro”) “adquirem a longo prazo e preço módico um lote de terras (...) dividindo o seu tempo entre os cuidados que exige a propriedade e o serviço que prestam às fazendas próximas, sobretudo no tempo da colheita, recebendo um salário remunerador e suficiente (...).
Na edição de dezembro de 1887, um trecho chama a atenção. A referência a imigrantes belgas e a problemas no Núcleo do Cascalho é notável. Segundo o relato, a administração provincial “enviou queixa, transmitida para a Bélgica, e de lá remetida à Sociedade Central de Imigração”, do imigrante Joseph del Wicke, que estava “se lamentando de só haver colhido decepções na colônia do Cascalho”, o que, pelo que chegou à Sociedade, era uma situação das mais comuns. O trecho conclui dizendo que “convém tirar a limpo a verdade, e saber ao certo se há razão naqueles queixumes”. A explicação sobre o ocorrido chegou à Sociedade em março, através de ofício da Presidência da Província, de 28 de dezembro, com “explicações minuciosas” que não foram publicadas.
Em janeiro de 1888, a edição do boletim, sob o título “Informações” mostra estatística sobre a imigração em São Paulo dizendo que no mês de novembro do ano anterior teriam chegado à Hospedaria Provincial 4.000 imigrantes, sendo 3.851 italianos, tendo ficado ainda 1.488. De acordo com dados oficiais reproduzidos, dos 2.145 imigrantes destinados ao interior, 84 foram para Araras e 47 para Cordeiros, mais uma vez sem saber se foram destinados às fazendas que utilizavam a estação ou ao próprio Núcleo Colonial de Cascalho.
Em março do mesmo ano, são publicadas informações sobre a imigração em São Paulo, especificamente as entradas do mês de janeiro de 1888. Neste período, entraram 3.534 imigrantes, sendo a maioria (3.320) italianos, como também portugueses (136), austríacos (43), belgas (12), alemães(11), espanhóis (8) e franceses (4). Note-se que não há mais referência a suíços e outras nacionalidades que foram predominantes em períodos anteriores. Destes, 1.125 foram introduzidos pela Sociedade Promotora dentro do contrato com a administração da Província.
Destes imigrantes, 148 foram empregados nas indústrias da Capital, 579 ainda estavam na Hospedaria naquele momento e os demais (2.807) foram para o interior, sendo 304 para Rocinha (o nome anterior de Valinhos), 191 para Campinas, 157 para Araraquara, 100 para Rio Claro. Lembrando que Cordeiro, naquele momento, ainda pertencia a Rio Claro.
A edição de outubro de 1888 mostra trechos do relatório do Sr. Ed. De Grelle, ex-ministro plenipotenciário da Bélgica no Rio de Janeiro, onde se destacam os “três grandes centros coloniais, dirigidos pelo Governo Provincial de S. Paulo”: Canas, Cascalho e Ribeirão Preto.
Quanto ao Cascalho, dizia-se estar “situado na vizinhança da estrada de ferro Paulista e a curta distância das cidades de Limeira, Rio Claro e Araras” (em média quinze quilômetros), com excelentes terras e fáceis transportes, ressaltando que achavam-se naquele momento “colocadas e satisfeitas da sua sorte” muitas famílias belgas. Aí está um assunto a ser pesquisado, pois não conseguimos identificar claramente, nos documentos disponíveis e pesquisados, famílias que continuaram no bairro do Cascalho e em Cordeirópolis que tenham claramente a nacionalidade belga.
As últimas referências são relacionadas ao ano de 1889, quando, na edição de abril, foi publicado que a Presidência da Província de São Paulo teria ordenado, em 28 de fevereiro, ao Fiscal da Imigração que assumisse a direção do alojamento de imigrantes na capital e também dos núcleos coloniais de Canas e Cascalho, bem como outros que viessem a ser criados, solicitando a apresentação de relatório circunstanciado do estado dos núcleos existentes, com indicação do número dos lotes ocupados ou não, cultura, população, nacionalidades, títulos pagos ou não, realizando a prestação de contas dos diretores.
Por derradeiro, um trecho da edição de outubro de 1889 informa a realidade em que se encontrava a situação deste serviço: em manifestação do Senador Escragnolle Taunay, destaca-se que os imigrantes italianos preferiam ir para as fazendas como simples assalariados a se localizarem nos núcleos do Cascalho, Sant´Anna e outros existentes na Província de S. Paulo.
E qual seria o motivo? “Nas grandes propriedades, têm eles a certeza de ganhar dinheiro em pouco tempo, que lhes facilitará todas as resoluções, até de voltarem em breve para a Itália, ao passo que nos tais intitulados ´centros de imigração´ só acharão desordem administrativa, diretores acostumados a mil abusos, nenhuma proteção das autoridades, más terras e abandono completo”.
Este resumo mostra um dos motivos pelos quais a experiência dos núcleos coloniais, especialmente no Estado de São Paulo, foi ignorada e deixou de merecer a atenção dos pesquisadores por muito tempo.
Aqui acabam as referências dos nossos termos de pesquisa no acervo desta publicação na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Entretanto, não podemos deixar de recordar que, por um lado, em nossa família houve experiências dos dois lados: um de meus bisavôs, Carlos Tomazella, veio com seus pais e irmãos há 130 anos para o Núcleo Colonial do Cascalho, saindo em pouco mais de vinte anos para adquirir uma das maiores fazendas da cidade e se tornar um dos maiores produtores de café da região. Outro de meus bisavôs, Antonio (conhecido como Cesare) Tamiazzo, até onde conhecemos, sempre trabalhou em fazendas e posteriormente se deslocou à cidade, onde morou por muitos anos até seu falecimento.
Pelos seus esforços e determinação em sair de sua pátria para dar sustento a sua família, só temos estas palavras: “Grazie mille, grazie tante”!