Neste ano em que lembramos não só os cem anos de criação da Paróquia de Nossa Senhora da Assunção de Cascalho, como os cinquenta anos do falecimento de seu principal personagem, o padre Luiz Stefanello, vamos trazer a todos as opiniões e fatos contados por Riolando Azzi, em seu livro “A Igreja e os Migrantes”, destacando especificamente “a aculturação dos italianos e a consolidação da obra escalabriniana no Brasil”.
Falando sobre a adaptação dos imigrantes ao Estado de São Paulo, o autor destaca a diferença de objetivos entre os diversos imigrantes, de acordo com a sua proveniência na Itália. Segundo ele, “(...) para os colonos vênetos (...)”, o que foi o caso de Cascalho, “a grande aspiração era a propriedade de um pedaço de solo”, o que vemos que foi conseguida, em parte, com as limitações da experiência dos núcleos coloniais.
Ao conseguir se integrar na sociedade da época, mantinham-se os costumes, as tradições domésticas e as festas populares, diz Azzi, mas os filhos dos imigrantes passaram a se considerar “ítalo-brasileiros”. Esta integração se fazia, de maior forma, pela presença deles nas escolas públicas, onde professores brasileiros ministravam as aulas, mesmo com os problemas decorrentes do trabalho familiar rural.
A distância dos grandes centros, segundo a análise, permitiria que a pureza da língua, costumes e tradições se mantivesse por mais tempo. Outro ponto destacado é que “as colônias italianas de São Paulo não foram constituídas à maneira de guetos raciais e culturais, como ocorreu no Rio Grande do Sul”.
Assim, já na primeira geração, os filhos de imigrantes casaram-se com descendentes de escravos e agregados brasileiros, constituindo uma aproximação “inter-racial”. Isto está expresso na relação de sobrenomes do abaixo-assinado para construção de escola, igreja e cemitério em Cascalho, conhecido há quase 25 anos.
Estabelecido este contexto, vamos destacar abaixo as opiniões e fato trazidos por Riolando Azzi na sua obra sobre a igreja e os migrantes. A frase inicial do capítulo destaca: “(...) a atuação escalabriniana ficou limitada às paróquias de Cascalho e Cordeiro, das quais se encarregava o Padre Luis Capra Stefanello”.
Sua biografia é contada sucintamente, ressaltando que ele se tornara escalabriniano em 1901, ordenado sacerdote em Piacenza. Chegou ao Brasil em 1907, trabalhando inicialmente em Ribeirão Preto, como capelão da Igreja de Santo Antonio, atendendo também a Santa Casa e transferindo-se para Cascalho em 1911.
Uma frase interessante mostra o início do trabalho de Stefanello:
“Apesar dos parcos recursos da população, Stefanello decidira-se com coragem pela construção da nova matriz, em cuja obra empenhou suas próprias economias, no valor de nove contos de reis. (...) O novo edifício foi inaugurado em 29 de novembro de 1917 pelo bispo diocesano, mas o campanário ficara incompleto, e somente em etapa posterior a obra pôde ser levada a termo.”
Em seguida, Azzi cita o “sério descontentamento” que o sacerdote teria causado em alguns paroquianos, que recorreram ao Bispo de Campinas. Em função das queixas, o bispo escreveu ao Provincial da Ordem:
“Já faz tempo que tinha notado que o Padre Stefanello não tinha a suficiente prudência para ser pároco. (...) Agora chegou uma comissão de Cascalho contando-me tantas imprudências desse padre que resolvi dispensá-lo da paróquia. (...)
Posteriormente, o provincial da Ordem se dirigiu a seu superior dizendo: “Creio que seria uma boa ocasião para desfazer-nos de tal posto, muito pequeno e isolado, onde um sacerdote deve lutar para viver, e morrer de tédio durante toda a semana.”
Entretanto, a impressão do seu trabalho mudou após uma visita apostólica, concluindo que “o Padre Stefanello é imprudente, não mede palavras. (...) Mas na pequena paróquia de Cascalho o povo lhe quer bem, como vi através de uma investigação feita por mim, e de uma subscrição de 234 fiéis a seu favor (...). Sua conduta moral é boa. Não vejo possibilidade de que ela possa ter renda em Cascalho, pois há somente 500 fieis.”
Respondeu Stefanello em sua defesa: “Admito ter sido pouco prudente em falar na igreja sobre coisas estranhas ao Evangelho. Mas tinham me provocado, e eu defendi a minha honra”. As frases deste trecho são trazidas de documentos originados do Arquivo Geral da Congregação Escalabriniana, em Roma, citados pelo autor.
No relatório em função do problema, o visitador indicou que “o Padre Stefanello é um homem de visão curta e se perde, sem querer, em pequenos detalhes que, envolvidos por intrigas, tornaram-se por vezes litigiosos.” Segue a descrição: “As informações recebidas a respeito da paróquia de Cascalho e seu pároco são tais” que houve concordância sobre a permanência do padre, mesmo “em vista da pouca significância da Paróquia de Cascalho e da dificuldade que tem um sacerdote para sua sobrevivência”.
No final do debate, o Bispo de Campinas concluiu que “Cascalho é uma pequena paróquia, mas seu pároco vive bem (...)” O Relatório de 1927 destaca a ação do padre: “trabalha materialmente e economiza mais do que pode; ajudam-no muito suas bênçãos, passando quase por um taumaturgo”, isto é, uma pessoa com capacidade de curar. Em seguida, declara: “como pessoa de serviço tem um velho de 82 anos e como sacristão um menino. Nenhuma outra pessoa mora com ele.”
A situação da passagem das gerações dos imigrantes iniciais está descrita no presente trecho:
“(...) os filhos dos imigrantes passaram a abandonar a localidade buscando outros centros urbanos, onde pudessem incorporar-se mais rapidamente à sociedade paulista, na qual se lhes abriam melhores perspectivas de progresso para o futuro (...)”
Com o passar dos anos, a ação de Stefanello passou a ser reconhecida. Na visita do provincial da Ordem, este “mostrou-se satisfeitíssimo com o estado desta pequena paróquia, quer pela nova Casa Paroquial inaugurada naquele dia, que pelos trabalhos da nova igreja (...). Afirmou-se também que se viesse a faltar o Padre Stefanello, não teria outro padre para colocar (...). o Padre Stefanello é muito querido, trabalha um pouco nas paróquias vizinhas e assim passa menos mal.”
Ressaltando o trabalho realizado, que seria coroado após quase vinte anos de labuta, o provincial diz: “O padre é ótimo e trabalhador. São testemunhos disto a casa paroquial e a nova igreja. A paróquia é pequena e pobre”.
Encerrando o artigo, o autor resume o trabalho do Padre Stefanello frente à paróquia:
“Com o correr dos anos, mais os superiores eclesiásticos passaram a reconhecer o mérito de um sacerdote que, embora vivendo isolado e numa paróquia bastante pobre, mantinha-se fiel aos seus deveres sacerdotais. Apesar da limitação de seus dotes naturais, Stefanello acabou por se identificar cada vez mais com a população local, recebendo por sua vez estima e gratidão.”
Em 1953, resume Riolando Azzi, Cascalho incorporou-se à vizinha paróquia de Cordeirópolis, encerrando-se a presença da ordem na região. Em vista do que pesquisamos e do que foi conhecido da história dos Escalabrinianos na localidade, achamos mais do que justo de que seja perpetuado o nome de Dom Giovanni Battista Scalabrini em uma das ruas ou prédios públicos do Bairro do Cascalho.