Neste artigo, vamos recuperar, dentre os documentos da Assembleia Legislativa disponibilizados na internet, os projetos que tentaram criar o Município de Cordeiro e que fixaram efetivamente os limites do então distrito de Cordeiro.
Em 5 de agosto de 1902 é feita uma “Representação ao patriótico Congresso Legislativo do Estado”, pelos cidadãos do “actual districto de paz de Cordeiro” solicitando a elevação à categoria de Município. Finaliza o documento, antes de deixar espaço para as assinaturas dos solicitantes, que “a tão justa e nobre aspiração do povo de Cordeiro os ilustres representantes do Estado não negarão por certo o seu apoio”.
Dentre as assinaturas, podemos destacar: o primeiro signatário, Reginaldo de Moraes Salles, proprietário rural; Manoel das Neves, proprietário; o Vigário da Paróquia, Padre Francisco Marotta Schettini; Julio Damm, proprietário rural; Alexandre Baroni, proprietário de uma fábrica de fogos, que se auto-intitulou “fogueteiro”; Giacomo Frattini, negociante e proprietário; Battista Stocco, negociante; Francisco Breda, proprietário; Affonso O´Flaherty, farmacêutico e lavrador; Manoel Morgado Zuzarte, negociante; Henrique Dias, comerciante; Archanjo Panhoca, industrial; Domingos Moreira da Cunha, lavrador; João Frattini, negociante; João Lucke, negociante e proprietário; um dos professores da localidade, Gunther von Jastrzembski, além de diversos profissionais vinculados à ferrovia.
Pela proposta, criava-se o Município de Cordeiro, compreendendo a povoação, o Núcleo Colonial do Cascalho, além das fazendas: Cordeiro (ou herdeiros), Cascalho (ou herdeiros), Santa Maria, Palmeiras, Santana, Botafogo, Santo Antonio (especialmente citada como propriedade do primeiro signatário), Boa Esperança, Ibicaba, Santa Olympia ou Saltinho, além dos sítios Água Branca, da família Moreira da Cunha, de José Ferreira das Neves, de Belizario Antonio Ferreira e outros, além das terras de Joaquim Pereira & Cia e herdeiros de Ferraz Pacheco.
No artigo seguinte, definem-se as divisas: o Cascalho confrontava com as fazendas Jardim, Bosque, Fazenda Velha, Santa Teresa e Perobas, de Limeira, e com o município de Araras, através das fazendas Santa Maria, Palmeiras e Santana; com Rio Claro, divisavam as fazendas Botafogo, Joaquim Pereira & Cia, herdeiros de Ferraz Pacheco; Ibicaba divisava com as fazendas Morro Azul, Quilombo e Santo Antonio, destacada como “do Major Antonio Monteiro”; a fazenda Santa Olympia ou Saltinho dividia com a São Francisco, de Joaquim Machado de Campos.
O desconhecimento da localidade era atestado pelo art. 4º da proposta, em que define uma Câmara Municipal de “seis vereadores”, enquanto não se fixar o recenseamento da população. Ainda pelo art. 6º atesta-se a precariedade da situação, já que “a sua instalação terá lugar depois que, às expensas da respectiva população, for construído ou oferecido o prédio necessário ao funcionamento da municipalidade e demais autoridades locais.”
Em setembro, a Comissão de Justiça, incrédula com a proposta, dizendo que “a actual divisão territorial dos municípios” não poderia ser alterada de modo a reduzir qualquer deles a menos de 50 km2 e dez mil habitantes e que “não se tratará de elevação de qualquer localidade a município sem projeto especial examinado pela Comissão de Estatística, com os seguintes documentos: representação, dados estatísticos sobre população e território; informações da Câmara de Limeira; informações sobre limites; informações sobre a existência de edifícios para cadeia e Câmara Municipal”. Assim, concluíram por pedir informações a Limeira, ao Juiz de Direito da Comarca e ao 1º juiz de paz.
Em breve, chegam as respostas: pelo Arquivo do Estado, foi dito que “neste Archivo não existe documento algum que demonstre qual seja a superfície e qual a população actual do município de Limeira. Assim, não posso certificar cousa alguma do que se pede”, encerra o diretor Antonio de Toledo Piza.
O escrivão de paz, recebendo esta resposta desanimadora, escreve ao Juízo, ou seja, ao seu “patrão”, pedindo informações. Responde então o 2º Juiz de Paz em exercício, “José Levi”, que “o distrito de paz de Cordeiro tem para mais de setenta quilômetros quadrados e dez mil habitantes” e na sua sede existem prédios que podem servir para funcionar cadeia, Câmara Municipal e mais autoridades locais.
De fato, a cadeia local já funcionava há mais de dez anos e havia algumas grandes propriedades dentro do núcleo urbano. As escolas funcionavam em prédio alugado, como sabemos, e ficarão durante muito tempo. Em seguida, o 1º suplente de subdelegado de polícia afirmou exatamente o mesmo. Ambos os ofícios foram feitos com a mesma letra, somente assinados pelos responsáveis.
Antonio Nunes dos Santos Monteiro, proeminente fazendeiro e ao mesmo tempo juiz de paz do distrito responde, em ofício de 1º de outubro que “a representação é uma aspiração justa e consentânea com a lei”. Estima o responsável que Limeira, sem Cordeiro, ficaria com “mais de 16 mil habitantes e 600 km2”, restando a Cordeiro a quantidade de 11 mil habitantes e 70 km2... por fim, copia os limites do pretendido município com os mesmos dados da proposta original.
Parecia simples, mas chega o momento em que o Juiz de Direito da Comarca de Limeira apresenta seu relatório, dizendo, entre outras coisas, que: “Cordeiro não tem presentemente as condições exigidas pela lei para que possa ser elevado a município”, alegando que Limeira perderia muita renda com isso; que não se encontraria “nem meio” pessoal com habilitação exigida para os cargos necessários; que a população do distrito não ultrapassa a 2.500 habitantes, grande parte composta de colonos e estrangeiros. Ressalta também que o território só seria adequado à lei se compreendesse também Ibicaba e Cascalho.
Classifica o agrupamento urbano de Cordeiro como “uma povoação composta de cerca de cem prédios, na sua maior parte pequenos e mal construídos, e não existe casa que possa servir de cadeia e possa funcionar a respectiva Câmara”.
Ressalta o juiz a “injustiça” de desmembrar de Limeira, “um dos municípios pequenos do Estado”, um local que se for município, “não contará com os meios precisos para levar avante o seu desenvolvimento”. Finaliza o Juiz de Direito que, “na ausência de dados estatísticos precisos”, seria “conveniente declarar-se por lei e com a precisão possível, as divisas do distrito de paz de Cordeiros, para que assim desapareçam as dúvidas existentes, ressaltando que “diante do documento que criou a subdelegacia de Cordeiros, facilmente essas divisas serão corrigidas”.
No final de outubro, a Câmara Municipal de Limeira presta suas informações: “através de planta levantada pela Comissão Geográfica e Geológica, em 1892, o município é um dos menores do Estado, com 20 mil habitantes, com ausência de dados oficiais.” Reclama ainda que a lei de criação do distrito “não foi clara na fixação das divisas, e a Câmara não teria condições de informar exatamente sua superfície”.
Ressalta o missivista que “as divisas do Distrito de Cordeiro se prestam a dúvidas frequentes e de difícil solução” e conclui, sem muito esforço, que o distrito teria aproximadamente 15 km2. Afirma também, claramente com viés negativo, que o distrito teria somente 135 casas e 1.500 habitantes. Fazendo coro ao Juiz da Comarca, volta a dar contornos negativos à povoação, dizendo que “não existe na povoação um prédio com condições de servir convenientemente a Câmara e Cadeia Pública”.
Em sintonia com a manifestação do Judiciário, a Câmara continuava reafirmando que a criação do Município de Cordeiro seria, além de “injusta”, inoportuna, justamente naquele momento, em que estariam sendo realizadas obras de melhoramentos. Como vimos em outras oportunidades, estas obras, se vieram, foram muito após este período e em um contexto muito diferente. Por fim, a Câmara de Limeira ressalta que o distrito não teria o território e os habitantes necessários para se emancipar.
Ainda assim, o projeto foi aprovado em 1º de dezembro, em segunda discussão no dia seguinte. A partir daí, começou a enfrentar dificuldades, com o encaminhamento à Comissão de Justiça e Redação e posteriormente à chamada Comissão de Limites. O projeto, que tomou o número 48/1902, foi assinado pelo deputado Joaquim Salles. A Comissão de Estatística da Câmara dos Deputados, num período em que havia também o Senado Estadual, opinou pela aprovação, mesmo com estas manifestações.
Voltando à Comissão de Justiça, Constituição e Poderes, esta solicitou que fosse ouvida a Comissão Especial de Limites, retornando-se o projeto após manifestação. Em seu parecer, esta comissão desincumbiu-se de decidir, abstendo-se de “apreciar os documentos, uns favoráveis, outros contrários, à criação do novo município, pois entende que só as Comissões de Justiça, Constituição e Poderes e de Estatística, compete a respeito”, pedindo a devolução do projeto. Vale lembrar que o projeto ficou parado nesta comissão por quase um ano, pois a data desta manifestação foi 16 de setembro de 1903.
A mesma Comissão de Justiça não se interessou por decidir, em vista de grande força contrária pela sua aprovação, concluindo, no Parecer de 6 de maio de 1904, portanto, após oito meses, “que seja ouvida a Comissão de Estatística, a qual pelo Regimento compete falar sobre a divisão administrativa do Estado”.
Um mês depois, curiosamente num dia 13 de junho, a Comissão de Estatística, Minas e Terras Devolutas, “tendo examinado devidamente o projeto de lei nº 48/1902, atendendo que o dito distrito de paz não tem presentemente as condições exigidas pela lei para que possa ser elevado a município”, concluiu, através de parecer, pela rejeição do projeto pela Câmara dos Deputados.
O que ocorreu na sessão do dia 15, uma quarta-feira, representada pelo despacho do dia seguinte, em que o Diretor da Secretaria da Câmara dos Deputados de São Paulo manda arquivar o projeto.
Agindo em sintonia com as autoridades de Limeira, o deputado Joaquim Augusto de Barros Penteado apresenta, em 1º de agosto, o projeto de lei nº 42, em que se definem as divisas do distrito de paz de Cordeiro: “começam no ponto de encontro das fazendas Santa Gertrudes, Morro Azul, do finado dr. Francisco Rodrigues Jordão, e Ibicaba, de Levy & Irmão, e daí seguem pelas divisas desta com as fazendas Morro Azul, Quilombo, do dr. Ezequiel de Paula Ramos, Pedreira, de d. Balbina Amélia de Toledo, Quilombo, de Manoel Ferraz de Camargo e José da Rocha Ferraz, Santo Antonio, de Antonio Nunes dos Santos Monteiro, até a fazenda Santa Olympia (Saltinho), do mesmo Antonio Nunes dos Santos Monteiro, seguem pelas divisas desta com a fazenda São Francisco, Itaporanga, do finado capitão Manuel de Toledo Barros, Perobas, do finado capitão Sebastião de Barros Silva e outros, até o núcleo Cascalho; seguem pelas divisas deste com as fazendas Perobas, Santa Thereza, do dr. João do Nascimento Machado Portella, Bosque de Bolonha, de Vianna & Irmãos, até o município de Araras; seguem finalmente pelas divisas do município de Limeira com as de Araras e Rio Claro, até encontrar o ponto de partida”.
Um projeto sem polêmica, e sem manifestação popular, por menor que seja, teve sua tramitação bastante acelerada. Em primeira discussão, foi aprovado no dia 6, em segunda no dia 8 e em terceira no dia 10. No âmbito da Câmara dos Deputados, o projeto foi arquivado neste dia, remetendo-se ao Senado Estadual no mesmo dia 10.
Através do ofício nº 212, da Secretaria da Câmara dos Deputados do Estado de São Paulo, foi remetido o projeto de lei à Câmara Alta, “para que se digne sujeita-lo a discussão e votação”. O primeiro despacho, do dia seguinte, foi encaminhá-lo à Comissão de Estatística. O parecer, emitido pela comissão corretamente denominada de “Comissão de Indústria, Comércio, Obras Públicas e Estatística”, de 13 de agosto, concluiu que “seja o mesmo sujeito à discussão e aprovado pelo Senado”.
Assim foi feito. Em 13 de agosto, foi aprovado em primeira discussão, “dispensando-se a impressão e o interstício”, para acelerar sua tramitação. No dia 16, foi aprovado em segunda discussão, dispensando-se novamente o interstício. No dia seguinte, foi enviado ao Presidente do Estado para que decidisse sobre sua promulgação ou veto. O que foi feito no dia seguinte, com sua transformação na Lei Estadual nº 934, de 18 de agosto de 1904.